ABRAÃO VICENTE "NA CRISTA DA ONDA"
Transcrevemos aqui um artigo de opinião da autoria do "artista do momento" publicado no A Semana Online sob o título "É Carnaval, minha máscara é um batôn vermelho e um sorriso". É claro que já houve diversas reacções. Ora, leia e aprecie...
No ano em que alguns dos aclamados claridosos festejam o centenário, tenho esperança que os rumores se confirmem e caia por terra alguns mitos erguidos à sua volta. Os nossos bons velhinhos são responsáveis, em boa parte, pela divulgação e enraizamento dessa mentira, muitas vezes repetidas, que hoje é já enfadonho ouvir os nossos amigos do Mindelo insistirem na sua suposta vocação/finess cultural.
Por: Abrãao Vicente
Por: Abrãao Vicente
A minha formação não me deixa outra alternativa senão repetir o que se me entranhou durante os quatro anos de Sociologia: em Sociedade tudo é construído. Falo dos mitos, das crenças, dos hábitos, claro, das manias, da ideia de se ser inferior ou superior, e obviamente a tal palavra mágica: vocação.
O politicamente correcto tem feito que perante as crises megalómanas de alguns intelectuais, dirigentes ou simples individualidades do Mindelo (não confundir com as ilhas do Norte) nós, a massa pensante de Santiago, nos mantivessemos em palavras mansas de contenção. Contudo, já se torna um pouco aborrecido ver nos mais diversos jornais online e papel a difusão de ideias nitidamente ofensivas aos Badius. Por isso, antes de abandonar aquilo que Joseph Ki-Zerbo dizia ser uma natural tendência dos africanos serem tolerantes e passar a um tratamento mais agressivo, faço um convite cordial aos nossos amigos: juntem-se à causa Cabo Verde que o país avança a passos largos e todos somos necessários.
Mas falemos de carnaval, dessa festa de cores de liberdade e libertinagem, de estranhos casos de amor de uma só noite, de reencontros com a alegria, do grito: “Mooorte ao tédio!”. Quem não necessita de uma máscara para sobreviver nos dias que correm. Quem não se socorre do jogo das aparências, às fantasias das cores: cor morango, cor banana, cor milho, cor cajú, cor terra, cor céu, cor nuvem, cor chão. Nesses dias que muitas vezes parecem tão parados, dias que se recusam até a dar ao dia outro dia, quem se nega a passar pelo espelho e provar o milagre de um estojo de maquilhagem para realçar ou esconder pormenores de que se gosta mais ou menos na face, no carácter, nas palavras e mesmo no mais profundo do que sentimos ser nós e dizemos “eu”. Mas é carnaval, foi carnaval, a folia das máscaras. O dia oficial para que todas as máscaras fossem exibidas sem complexos.
Vi na televisão o carnaval do Brasil, devo confessar que, como sempre, em mim, despertam certas fantasias ao ver tanto sonho, tanto charme, tantos corpos que se entregam a essa festa desenfreada de exorcismos secretos e falsas juras de romances para sempre. Sim, vi na televisão, mas é televisão, e a televisão é ela mesma uma máscara. Pois eu bem sei dos outros muitos carnavais do Brasil, desses que não têm lugar em nenhum sambódromo, bem sei eu que o povo, lá fora, vive outros carnavais, também felizes carnavais, onde gente comum sem acesso ao sambódromo samba rua riba rua baxu.
Também vi na televisão o carnaval do nosso Brasilinho e fiquei pasmado com o facto de se constactar que afinal nada muda. Apesar de ser uma imitação muito pixelizada do carnaval brasileiro, o carnaval mindelense vai perdendo o brilho que ostentava noutras épocas (o Brasil não pára, o carnaval do Brasil nunca pára). Perdoem-me que o diga mas alguém tem de fazê-lo. Durante uma ano inteiro temos que levar com as mesmas velhas ideias, já há muito criastalizadas, de que o carnaval do Mindelo é o melhor de Cabo Verde, isso sem falar do ter que levar com as afrontas de todas as gritarias “Soncent é sab, sab pa cagâ” e bis, bis, bis. No fim, fazendo o balanço, para quem tem boa memória não se tem notado nenhuma melhoria, nenhuma mais-valia no carnaval do Mindelo, ou seja, não há um enriquecimento da alma do carnaval do Mindelo e muito menos, claro está, do corpo, por isso do espectáculo de rua. As festas privadas não contam, também nós por aqui as fazemos e cada vez mais pomposas. Se calhar o caminho já não passa por imitar o grande Brasil mas sim por criar um outro modelo de imaginação para parir um carnaval de facto mindelense. Por outro lado fala-se cada vez mais nas dificuldades financeiras enroladas em súplicas de que deviam transformar o carnaval em atracção turística e bla, bla, bla. Deviam transformar? Quem? O Governo? Na modi guentis! (sem dizer que pegou a moda do grupo que ganhar o canaval de um ano não se apresentar no próximo ano, este ano a fatia esteve em 600 contos, não me atrevo a escrever aqui o montande do vencedor na Praia). Sim porque tem que ficar claro algo: nos dias que correm o carnaval é tão tradicional no Mindelo como na Praia, no Sal, em Sao Nicolau, ou na Brava, por isso se for investido por parte do Governo no carnaval em Mindelo também vai ter que ser investido aqui na Praia, no Sal, em São Nicolau e em todas as ilhas de um modo equilabrado. Em termos de peso o carnaval neste momento tem tanto peso no Mindelo como na Praia (pronto, as mindelenses gritam mais, é verdade mas e que?). Tradição? Também temos a nossa!!Ou se for preciso convencer alguém, inventamos uma! Para que não seja mal intendido (algo sempre inevitável) devo sublinhar que não se trata da tal tese “tudo para Praia e nada para os demais”, muito ao contrário, estámos no tempo certo para tentar construir uma ponte entre todas as ilhas e tentarmos ter vivências reais das nove ilhas de Cabo Verde onde diariamente existem caboverdianos a dar o seu melhor, por isso o seu contributo para o desenvolvimento do país.
Uma linha solta: já que neste momento tudo o que se faz em Cabo Verde é a pensar nos benditos turistas que tal serem os investidores estrangeiros e nacionais com unidades turísticas a investirem no carnaval em vez de ser o ministério da cultura e câmaras municipais?
Na Praia, o carnaval é hoje cada vez mais um momento de reinvendicação das nossas origens negras, da nossa história e da nossa tradição. Mesmo os grupos de animação, entre o cómico e o puramente teatral, não fugiram à temática. Estive na avenida e vi o mais macho do badiu exibindo estrondosos fios dentais, pude desfrutar momentos de quase eternas poses de muitos Josés que nesse dia deciram por ser Marias Badias, também pela avenida passaram os habituais Zés cornudos, damas da real corte, espantalhos, bichos e monstros das mais variadas categorias, estranhos instrumentos auxiliares de viajens futuristicas e obvio: pretos amarrados por ferrujadas corrente brancas de alma. Mas, é claro, que nem tudo foi um mar de rosas, acho que os andores têm que ter mais trabalho artístico. Regra geral os acabamentos deixaram muito a desejar e por isso chocaram muitos olhos mais sensíveis. Acredito que um maior investimento em pormenores ajudaria os grupos a apresentarem de forma mais profissional. Já agora fica aqui uma segestão: que tal, como fazem por bandas do Brasil e mesmo do Mindelo, convidarem os artistas locais para se encarregarem de tal tarefa. Só aqui na Praia posso nomear: Leno Barbosa, Tutu, Kaya, Nelson Lobo, José Maria Barreto e Manu Preto (que concebe quase todos os cenários do grupo raiz de polón) e muitos outros jovens talentosos que desconheço mas que poderiam ser agradáveis surpresas.
Última nota merecida ao grupo dirigido por Gamal. Destacaram-se pela sua grande variedade nos decors, pelo tratamento do tema, também pela quantidade de pessoas envolvidas e principalmente pela persistência. Realço esse aspecto: o grupo de Gamal repetiu em boa parte da sua temática do ano passado mas melhorando e enriquecendo o seu imaginário. A nova apresentação deu também um outro sentido aos temas pela sua rigorosa organização em grupos e pela disciplina mostrada pelos pupilos de Gamal. De resto é de realçar Gamal como uma personalidades mais queridas da nossa Capital, que se tem destacado não por actos virtuais e palavras mas pelo enorme trabalho desenvolvido em prol da educação/sensibilização comunitária de jovens e por ser um grande activista cultural. Nu poi odju na exemplo di Gamal, caba go nu setal sima el é, nhaku d’ómi. E dizem os que já ouviram o CD que prepara para lançar e aí vem uma obra de grande qualidade: quem tem um cusinha poi Gamal na mó pe lança se CD. E não querendo me imiscuir nas altas decisões das sua excelências que tomam conta da cidade, acho que o nome deste jovem deve constar no lista nos homenageáveis pela cidade, no ano em que Praia faz 150 anos. Afinal nem só de gravatas e relações de proximidade se faz uma cidade, uma sociedade. Mais não Digo.
Sarron diz: Isto é caso para dizer "Nhas gente!"
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