Sarron.com - Teatro & Companhia

As pessoas vão ao Teatro porque sabem que nessa noite o homem pode cair do trapézio (Orson Welles)

9.21.2006

COMO VI O MINDELACT

Desde o início deste festival de teatro que sentia uma satifasção enorme pois, era a primeira vez desde há imensos anos que teria a oportunidade de ver todos os espectáculos. E assim foi. Só não vios espectáculos da Teatrolândia. Consegui estar em todos os espectáculos da programação principal e do festival off. É claro que houve uma grande variedade de espectáculos. Grupos com experiência variada, de países diferente, com realidades diferentes, e melhor ainda, com propostas diferentes.

Não vou cá falar da abertura, uma vez que, como autor e encenador da obra, não serei a melhor pessoa para o fazer. Mas deixemos que o público e os aplausos (para mim, muito sinceros) falem por si. Falando dos outros espectáculos, foi tudo muito bem, com excepção do único sobre o qual depositei muita expectativa – (Re) Apareceu a Margarida, com o actor brasileiro Júnior Sampaio, que há dois anos atrás nos brindara com uma magnífica actuação. Mas os que mais me marcaram foi Ratos e Homens em que meu amigo de fé João Paulo Brito fez uma brilhante actuação aliás, em minha opinião, a maior de sempre (de relçar que vi e fiquei com vontde de ver mais Adão e as sete pretas de fuligem) e Rostos de Loanda e Luanda, de um grupo de teatro angolano que, embora apresenta actores já nossos conhecidos da série cómica “Conversas no Quintal”, até então era para nós total mente anónimo. O final de Ratos e Homens é surpreendente e chocante. A peça é, toda ela, envolta numa trama que nos faz repensar a vida. Envolvente. Falando dos angolanos, Quim Fazano é simplesmente fenomenal. E a peça é nutrida por uma energia contagiante que deixa qualquer público eufórico. Isso não deixando para trás a forma como uma importante parte da História da capital daquele país irmão nos é servido. Uma forma deliciosa de fazer teatro, e uma surpresa muito agradével. Outra peça que era aguardada por muitos, também com alguma expectativa – Mulheres na Lajinha, do Grupo de Teatro do Centro Cultural Poruguês do Mindelo/ICA. Isso talvez pela qualidade dos espectáculos a que o experiente e mais internacional grupo mindelense já nos acostumou, ou porque a encenação era assinado por João Branco. Para mim que já lera a obra de Germano Almeida “O Mar na Lajinha”, não esperava muito mais do que foi apresentado. Para mim nenhuma surpresa: actrizes que conheço sobejamente e um texto também que não vai mais por aí além. Porém, de certeza, com passagens e sátiras que agradariam o público. O que fiquei à espera e, ainda bem, fiquei satisfeito, foi com a cenografia e a iluminação, enfim uma componente visual e plástica agradável. De qualquer forma, um espectáculo que, tal como esperava, não me surpreendeu, mas que me fez rir e ficar com a sensação de que não teria perdido a minha noite.

Outro momento que me marcou bastante foi a actuação do espanhol Enano com a sua estreia no Festival Off com o espectáculo Clown Gente Grande e o seu palhaço “Macaco Chuclatim”. Principalmente quando, só de sunga, põe-se de pé em frente à Helô e à Bia Barbosa e canta “Mi é profissional”. O público foi ao rubro e eu quase chorei.

Outros espectáculos, tais como o do grupo Fladu Fla da Praia e o do grupo Nova Sintra da Brava, deixam-me com a sensação de que o teqtro nessa ilhas está a avançar, mas que muito trabalho ainda está por se fazer. O grupo Fladu Fla apresentou um espectáculo com muita quebra ritmica e com uma banda sonora mal tratada e, quanto a mim, não muito acertada para o espectáculo que foi apresentado. Mas, de qualquer forma, melhor do que nos anos transactos. Quanto ao grupo da Brava, vi um espectáculo em que a vertente plástica e musical não se mostrou de grande importância. Um espectáculo interessante, mais voltado para o texto, mas com algo muito importante a ser trabalhado – a voz, a sua intensidade, a sua projecção, a sua colocação e, sobretudo a dicção, numa língua que não é tão bem entendida aqui em São Vicente. Mas gostei e acredito que o Grupo Nova Sintra é já uma aposta ganha.

Mais espectáculos? Claro! Porque não falar de Obrigado!, um espectáculo diferente mas muito agradável. Música de muito bom gosto e bem executado pelas guitarras de Fran Perez (pena que não entendi quase nada da letra) e as histórias hilariantes do sobejamente conhecido entre nós Quico Cadaval (quem não ficou tocado por aquela história da galinha, e da gata que decidiu nunca mais pôr um ovo?). Ou ainda de Cadú Févero que após um espectáculo baseado num drama urbano, Diário das Crianças do Velho Quarteirão, juntamente com Luísa Thiré e Oberdan Júnior esvairam-se em lágrimas depois de terem recebido o “Prémio Copacabana 2006”. Quem pensa que só os fazedores de tetro em Cabo Verde sofrem deveriam ter ouvido o discurso do Cadú. E ainda das canarinas que trouxeram El Jardin Prometido, uma peça que fala de algo que pode ser muito nosso – coisas das ilhas (embora tenha gostado mais do espectáculo de 2005).

Além disso a convivência foi fantástica. Toda a troupe do Mindelact que deu mais que o litro para que tudo corresse bem, a alegria contagiante do Quico e do Enano, da beleza das menininhas de Sintanton, de Djabraba, da Itália, das Canárias e, claro está, do nosso Mindelo. E também das críticas construtivas que recebemos. Aliás, este ano foi maracado por interessantes debates sobre as peças e sobre o mindelact por parte de muitas pessoas dentro do público mindelense. Tudo isso cobre perfeitamente o olhar gordo de quem quer que seja que viu este festival com muitos maus olhares.

E para quem sempre acredita no Festival MINDELACT, o que me resta dizer é...


... Wellcome to Cidade de Mindelo
Pulmão de tude ôtes ilha de Cabo Verde
Nôs edifício ta sirvi de modelo
É só bô espiá pa Alfândega de Mindelo
Baía de Porto Grande é nôs orgulho e felicidade



Neu Lopes

O impacto da música em UM VEZ SONCENTE ERA SÁBE

Nô tem poder na nôs curpim
Nô crê só diverti
Ma nôs, nôs preço n’é pa discuti
Frustróde ca bô sinti
Casa de salão é um paraíse
Pará qu’estória tchá disso
Nôs vida é bonança e temporal
Nôs é profissional


É este o refrão da música do momento. A música saída das meninas da “Casa do Salão”, a famosa casa de bamba sob a batuta de Madamme Chloé em “Um Vez Soncente Era sábe”. É um tango, cantado e dançado por um grupo de actrizes que viram este desafio como uma aventura num campo teatral que nunca tinham tido a oportunidade de ingressar. Tudo indica que é a música que mais marcou a peça, e que mais tempo ficou nos ouvidos de quem viu a peça. Neu Lopes assina a letra, a música, e os arranjos, enquanto que James Tavares assina a coreografia, coadjuvado pelas magníficas Yasmin e Ariana.

Mas “Profissionais” (é o título da música) não é a única música que fez sucesso na peça. Outras músicas como a balada “Drête ô Marióde” (interpretado por Helder “Doca” Lopes e Teja Assunção) e o R&B “Postal pa eternidade” (também interpretado por Helder “Doca” Lopes) também foram momentos altos, não se esquecendo do tema do vilão Djô Diábe e do tema de abertura “Mindelo d’otrora”, interpretado por quase todo o elenco da peça, e que ficou mais conhecido por “welcome to cidade de Mindelo”.

As instrumentais também foram marcantes, dando um tempero especial às cenas, levando com que as pessoas se emocionassem. O grande responsável por esse sucesso é o jovem Hernâni Almeida que, para além dos arranjos em músicas como “Postal pa eternidade”, “Djô Diábe” e “Mindelo d’otrora”, fez com que sua guitarra conseguisse rasgar a alma das pessoas com as várias versões de “Drête ô Marióde”. São nove canções de Neu Lopes, que se estreia como compositor. Os arranjos são todos de Neu Lopes e Hernâni Almeida, com excepção da versão original de “Drête ô Marióde”, assinado pelo piano de Fernando Andrade, o chefe de orquestra e pianista da banda de Cesária Évora.

Estas músicas estarão disponíveis em CD na abertura da temporada “Um Vez Soncente Era Sábe”, em finais de Outubro. A peça será apresentada durante quatro dias, com uma nova roupagem e novas surpresas.

Auto-crítica

Foi um sucesso incontestável, mas sabemos que houve alguns problemas técnicos, bem visíveis aos olhos dos mais atentos. Os erros que mais saltaram à viasta desarmada foram os de som. Mas também houve falhas na iluminação. Porém todas essas falhas não se tratam de erros dos técnicos, aliás esses fizeram de tudo para que o espectáculo fosse um sucesso. Tudo foi produto de um stress gerado ao longo de uma peça que, indiscutivelmente pedia mais trabalho e um pouco mais de empenho por parte dos que nela participaram. Além disso, gerou-se sobre ela, uma das maiores expectativas dentro do MINDELACT2006.

“Um Vez Soncente Era Sábe” é uma peça que, maugrado todas as dificuldades técnicas, finaceiras e humanas, respondeu condignamente às expectativas nela depositadas. Mas, embora nada seja perfeito, o encenador e toda a equipa que fizeram parte da estreia desta grande aventura estão convencidos que são capazes de fazer muito mais, e de fazerem sonhar o público mindelense, e não só, com essa proposta ímpar. Aliás é muito vasto o público que está anciosamente à espera da sua repetição.

E é bom levarmos em conta que é uma peça que está entre os mais aplaudidos e os mais solicitados do festival internacional de teatro do Mindelo.

Esse trabalho de melhoria irá passar pela direcção de actores, música, dança, expressão corporal, cenografia e iluminação, pelo que será, com certeza, um espectáculo a não esquecer na história do teatro em S. Vicente.

E, a partir de já, MÃOS À OBRA!

Crítica a "Um Vez Soncente Era Sábe"


Um musical cabo-verdiano


A abrir o Mindelact 2006 tivemos um musical da autoria de Neu Lopes, um jovem mindelense, numa produção do Sarrom.com.

Esta peça, arrojada na sua estética transportou-nos para a memória daquele teatro dos primeiros tempos teatrais neste país, onde o salão era o palco por excelência. Retrata o universo mindelense no início do século XX. Comédia musical, assim apelida o seu criador, este espectáculo apresenta-nos um drama romântico como linha dramatúrgica, sendo que, passou muito ao de frágil a sua eficácia. Leva a supor que esta história de amor fatal se mostrou mais secundária do que principal, e o público sentiu-se mais agarrado à história das meninas do salão, essa sim, vertente bastante sublinhada e acarinhada pelo público.

Uma abertura original do festival, um género raramente apresentado, com uma recepção francamente optimista. Com elementos de vários grupos de teatro mindelense, cito Solaris, GTCCPM, Sarrom.com, Teatroakácia e Dionisios, este espectáculo apesar da sua deficiente concretização técnica, onde nos deparamos com problemas de som perturbadores e alguma imaturidade do trabalho interpretativo, conseguiu cativar um público que sem lugar ao tédio assistiu ao seu desenrolar.

Apesar de alguma falta de ritmo, este espectáculo teve momentos bastante interessantes, como sejam as coreografias e musicas das nossas meninas do salão, que se tornaram eco no festival, e por todo o lado fomos sendo brindados por um «Nôs ê profissional!!!», desde a produção do festival até aos grupos convidados, passando pelo simples espectador, o que demonstra o forte eco que a peça provocou.

Com uma excepcional sonoplastia, nem sempre os actores conseguiram estar à altura dos acordes. Ao nível do movimento, aponto ainda a luta entre o Djo Diabo e Raf, contracena criativa e tecnicamente bastante interessante.

A sala estava lotada, e houve um grande número de pessoas que não conseguiram lugar, o que mais uma vez vem reforçar o carácter já quase ritualista deste espaço e tempo chamado Mindelact.

Micaela Barbosa

MINDELO – UM PÚBLICO ÍMPAR

Continuo sempre a dizer que me orgulho de ser mindelense. Orgulho-me ainda mais de fazer parte do que é mais maravilhoso no teatro mindelense – o público. O mais agradável ainda é fazer parte de algo com que sempre se pode contar. Depois de todos estes anos que tenho integrado essa massa maravilhosa e de ter feito uso dela desde há já algum tempo, e de ter visto pelo menos um público fora desta ilha, sinto mais ainda o respeito que lhe devo.

O público mindelense é extremamente sincero. Nota-se que a grandeza do espectáculo, ou tão-somente o grau de satisfação que o espectáculo lhe proporcionou é medida com a intensidade dos aplausos. Atenção que falo de aplausos, não falo de gargalhadas. E há provas mais do que suficientes, sentidas por quem vê teatro há muitos anos, que não é apenas o riso o motivo do sucesso ou insucesso dos espectáculos. O público mindelense passou a ser cada vez mais exigente. E quem ignora a palavra HUMILDADE tem seus dias contados na cena teatral desta cidade. É um público que agradece, que participa, que brinca, que se emociona, enfim partilha toda a paixão que os fazedores de teatro tentam transpor para o palco. Num país em que as dificuldades são muitas, numa ilha em que o dinheiro tem imensos problemas em mostrar a cara, sempre se guarda algum para as temporadas de teatro, e não só. Todos sabemos que o teatro sofre imensas dificuldades e que a sensibilidade do mecenato nem sempre aquece para travar tais dificuldades. Se esse mecenato não fizesse parte desse tão entusiástico público, o “Mindelact – Festival internacional de teatro do Mindelo” não seria o sucesso que é e, acredito, nenhum milagre aconteceria. É por isso que sinto que é para o público que fazemos teatro e para mais ninguém. Além do mais é do nosso conhecimento que gosto é igual a… bem, ao assunto que já sabemos e que não é nada elegante pronunciar agora. Gosto de cada um não se discute. Mas opinião de uma grande maioria tem um grande peso.

Quem disse que não faz teatro para o público e com o público? Quem fez desse público uma cambada de ignorantes? IGNORÂNCIA! O público mindelense não precisa de mais nada senão de uma injecção de bom teatro sempre que necessário. Nunca achará que é demais. A febre do teatro sempre sobe e a sua única cura é a apresentação de espectáculos de qualidade. O público do Mindelo não é parvo e quer sempre coisas novas e de ser tratado com respeito e consideração.

O público desta cidade é uma inesgotável fonte de energia positiva para todos os artistas do palco. O sémen da vida teatral. Aqui não há a velha “quem cala consente”. Aqui quem se cala transmite alguma mensagem. Nós, artistas do teatro é que teremos que descurtiná-la – o que nos traz imensas dúvidas. É nesse sentido que temos que trabalhar para que esse silêncio tenha um único sentido – ESTUPEFACÇÃO (e pela positiva). Senão tratemos apenas de ver o público reagir, participar, cantar, rir, chorar e depois aplaudir de pé incansavelmente.

E peço agora…

UMA SALVA DE PALMAS PARA O NOSSO QUERIDO PÚBLICO!

Neu Lopes
Sarron.com – Teatro & Cia.